terça-feira, 8 de outubro de 2019

LGP em Crato. Apresentação de José Flávio Vieira

LIVRO E LIVRE SÃO SINÔNIMOS

"Um público comprometido com a leitura é crítico, rebelde, inquieto, pouco manipulável e não crê em lemas que alguns fazem passar por ideiais"

Mário Vargas Llosa

              Um dos primeiros sintomas  do advento das tiranias é a perseguição e queima de livros. Heine dizia que logo depois do incineração  das páginas  começam a queimar seus autores. Essa regra é um claro diagnóstico do poder revolucionário do livro e da sua capacidade de mudar os rumos do planeta. No Brasil , que volta a sonhar novamente com as piras, dá para se ter uma percepção nítida das causas da tragédia que nós próprios semeamos. Dados de 2011 do IBGE mostram que apenas a metade da população tem o hábito de ler. Em 2017 o brasileiro lia menos de dois livros e meio por ano ( nos EUA são mais de cinco e na França, sete). O hábito da leitura  é diretamente proporcional  à  renda familiar, ao grau de escolaridade, à vida urbana e à juventude. Além de tudo, dados de 2017 demonstram que mais de 7% da população brasileira ainda são de analfabetos e, mais,  acredita-se  que mais da metade dos alfabetizados  não tem um nível de alfabetização considerado básico. Dados de Oxford apontam que as chances de uma mulher com leitura ter um cargo profissional alto aumentam de 25 para 39% e , no caso do homem, de 48 para 58%. A leitura, amigos, tem uma relação direta com nossa ascensão humana e profissional e com a possibilidade de mudar o mundo à nossa volta. Por isso, a Educação é revolucionária e libertadora  e, compreensivelmente, perseguida com o massacre da escola pública, os baixos salários dos professores, o patrulhamento de aulas e disciplinas. Político corrupto , eleito pelas elites econômicas do país, vai incentivar os crescimentos humano e político do povo para nunca mais ser eleito ? Como dizia o prof.  Darcy Ribeiro : o sucateamento da escola pública no Brasil não é um mero acaso, mas um projeto de governos.
          Ah ! Mas no meio desta catástrofe, existem sempre inciativas que nos trazem alento e nos permitem pensar num futuro diferente e num mundo mais justo e solidário. As grandes transformações no curso da humanidade dependem muito mais de pequenas inciativas de visionários do que das grandes convulsões sociais.  Vêm da Minas de Tiradentes , de Rosa e Drummond ventos promissores. Pessoas que sonham ser   possível borrifando seu orvalho matinal, apagar os incêndios da floresta. Basta que este hábito seja seguido por outros borrifadores e o orvalho possa se tornar chuva torrencial. Há quase vinte anos, um professor de Língua Portuguesa, aposentado, ao visitar a escola onde havia trabalhado em Belo Horizonte, descobriu estupefato que os alunos e até os novos professores simplesmente não conheciam a Literatura Brasileira. José Mauro Costa teve a ideia de juntar outros colegas, arregimentar escritores e publicar, anualmente, um livro adulto e um outro infantil, distribuindo gratuitamente , todo ano, na Praça da Liberdade em BH ( hoje na de Santa Tereza),  numa grande festa da cidadania.  Os números do feito são impressionantes: mais de 350.000 exemplares doados à população e o envolvimento de quase 230 escritores das mais diferentes regiões do Brasil, inclusive este pobre escriba. O projeto terminou por disseminar-se por outras cidades do país e até já aconteceu em Montevideo e em Toronto. 
           Este ano , ele aporta aqui em Crato, quando se espalhará na Praça Siqueira Campos, no próximo sábado, dia 5 de Outubro. Vem com a chancela do Instituto Cultural do Cariri, com um cartel de 66 anos de serviços prestados à nossa cidade e o apoio da Secult/Crato, do Estúdio Caravelas, do Instituto Fernando Sabino de Belo Horizonte, do CEJA/Crato , do Rapadura Cuturarte, do Coletivo Cordel & Arte, do SESC e da Academia dos Cordelistas do Crato. Pretende, nas edições seguintes, perpetuar-se, envolvendo os escritores caririenses, nesta grande batalha pelo incentivo à leitura e ao amor aos livros . No fundo, percebemos que bem além do simples ato de ler, chega junto a possibilidade quase única de transformar destinos e vidas e reconstruir um país que, mal começou seu tortuoso processo de construção,  já se encontra  em pleno estado de desmoronamento.

José Flávio Vieira
Médico, escritor e historiador
Crato, 02/10/19